REVISTA FACTO
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Mai-Ago 2020 • ANO XIV • ISSN 2623-1177
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//Artigo

ACORDO DE COMPRAS GOVERNAMENTAIS DA OMC: ASSIMETRIA E RISCO

É interessante e importante para o Brasil aderir ao Acordo de Compras Governamentais da Organização Mundial do Comércio (OMC)? Anunciado pelo governo brasileiro como um acordo que trará redução de custos nas compras públicas internas, aumentará a concorrência e possibilitará acesso privilegiado de empresas aos mercados públicos nos países signatários, o Acordo de Compras Governamentais (ACG, em inglês Government Procurement Agreement-GPA) da OMC, existe desde 1994 e possui atualmente 48 membros e 34 membros observadores (incluindo Brasil, China e Rússia).

Observador desde julho de 2017, o Brasil formalizou o pedido de acessão ao ACG em maio último, dando início à negociação que pode durar meses ou anos, como no caso da China (desde 2007). No processo, o Brasil deve apresentar um checklist da sua legislação de licitações e listas de ofertas de acesso ao mercado, informando quais bens, serviços e obras e níveis governamentais poderão realizar licitações internacionais. Entre os possíveis setores estão eletro/eletrônicos, produtos farmacêuticos humanos e veterinários, químicos, equipamentos para área de defesa, entre outros, embora exista margem para limitar a abrangência.

As recentes negociações do Mercosul com a União Europeia e EFTA (da sigla em inglês para a Associação Europeia de Livre Comércio) e do Brasil com Peru e Chile já incluem protocolos de compras públicas que cobrem apenas certas áreas. Por exemplo, são excluídos itens da área de saúde, como medicamentos, vedados quando se referem a compras do Ministério da Saúde no acordo do Mercosul. Também estão excluídas compras públicas em que haja transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS) e a aquisição de insumos estratégicos para a saúde.

Estima-se que o mercado de compras públicas no mundo em 2018 tenha sido de US$ 11 trilhões1, dos quais os países do ACG da OMC foram responsáveis por 15,45%, ou seja US$ 1,7 trilhão2. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estimou que as compras públicas do Brasil, em 2017, corresponderam a 16,4% do PIB3

O SUS garante, por meio de políticas econômicas e sociais, o direito de acesso universal à saúde. De acordo com o Banco Mundial, em 2017 a despesa brasileira com saúde foi de 9,5% do PIB (aproximadamente US$ 196 bilhões), dos quais 3,9% foram gastos públicos (42% do total de despesa com saúde). Já 58% do total de despesa com saúde foram gastos privados4.

Para o Tribunal de Contas da União (TCU), o financiamento federal para a assistência farmacêutica foi uma das áreas que mais contribuiu para a elevação dos gastos da União entre 2008 e 2017 e custou aos cofres públicos R$ 11,5 bilhões para aquisição direta de medicamentos (15,0% do faturamento do mercado), segundo o Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico de 2018 publicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

O Brasil conta com a Política Nacional de Inovação Tecnológica na Saúde (PNITS) para regular o uso do poder de compra do Estado em contratações e aquisições de produtos e serviços estratégicos para o SUS de forma a estimular e fomentar a parceria entre administração pública e empresas privadas para selecionar a proposta mais vantajosa, principalmente quanto ao desenvolvimento da capacitação tecnológica.

O PNITS possui instrumentos estratégicos como as Encomendas Tecnológicas na Área da Saúde (ETECS), voltadas para a pesquisa, desenvolvimento e Inovação de soluções ainda inexistentes no mercado; as Medidas de Compensação na Área da Saúde (MECS), que regulamentam compras de grandes volumes com pouca concorrência, visando a compensação tecnológica para fortalecer o mercado nacional; e, enfim, as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo, as PDPs.

As PDPs consistem em acordos entre os setores público e privado, onde estes se comprometem a transferir tecnologia aos laboratórios públicos para a produção de determinado medicamento, reservando aos laboratórios privados exclusividade na compra desses produtos pelo governo no mesmo período. As PDPs geram uma significativa economia, além de diminuir a dependência externa e a vulnerabilidade produtiva e tecnológica, fomentando o desenvolvimento e a fabricação em território nacional de produtos estratégicos para o SUS, o que garante a sustentabilidade tecnológica a curto, médio e longo prazo com o aumento da capacidade produtiva e de inovação do País. Sobretudo, as PDPs garantem à população acesso a produtos estratégicos ao SUS.

Diante do mercado bilionário de aquisição de medicamentos pelo Poder Público brasileiro e sabendo que a maioria dos signatários do acordo da OMC é de países com elevado nível de desenvolvimento de competitividade, há que se questionar se o Brasil está pronto para concorrer com empresas internacionais de forma igualitária. As empresas nacionais conseguirão acessar o mercado público externo de forma competitiva?

Caso o Brasil seja aceito no acordo pelo Comitê de Compras Governamentais da OMC sem que ocorra a exclusão de setores importantes, como é caso da saúde, políticas públicas implementadas ao longo de décadas serão afetadas, tais como o SUS e as PDPs, visto que o Brasil deverá cumprir com regras já estabelecidas como a não-discriminação de fornecedores nacionais e internacionais, além da proibição da utilização de margem de preferência para produtores nacionais de compensações tecnológicas (mecanismos denominados off-set). 

É possível, também, que o Brasil não se utilize do Tratamento Especial e Diferenciado (TED), que prevê flexibilidades transitórias para países em desenvolvimento e muito pobres, dado que abriu mão deste importante mecanismo para ingressar na OCDE.

Deste modo, a assimetria entre os países signatários do ACG e o Brasil contribuirá para uma acentuada importação de insumos e medicamentos, afetando negativamente a balança comercial, além de desfavorecer produtores brasileiros e reduzir a competitividade das empresas. Com redução ou fim do uso do poder de compra do Estado, as políticas atuais para a saúde deverão sofrer alterações significativas.

Para evitar que as ofertas brasileiras para acessão ao ACG sejam por demais ambiciosas e impactem negativamente nas políticas públicas do País, é extremamente importante que haja o diálogo entre o setor privado e o governo e sejam estabelecidos os limites e exceções setoriais relativas ao acordo.

1. https://blogs.worldbank.org/developmenttalk/how-large-public-procurement

2. https://www.wto.org/english/tratop_e/gproc_e/gp_gpa_e.htm

3. https://www.oecd-ilibrary.org/docserver/8ccf5c38-en.pdf?expires= 1595906100&id=id&accname=guest&checksum= B7A38A6D9BE987F4779E88790588F574

4. https://databank.worldbank.org/home

Bruna Oliveira
Bruna Oliveira
Trainee da Área Técnica
Fernanda Costa
Fernanda Costa
Especialista em Comércio Exterior e Cadeia Química da ABIFINA.
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