REVISTA FACTO
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Set-Dez 2021 • ANO XV • ISSN 2623-1177
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Brasil que queremos
//Editorial

Brasil que queremos

Um país em crise econômica, com uma longa e acentuada desindus­tria­lização, e cuja balança comercial fica ao sabor dos preços internacionais das commodities, não pode se dar o luxo de ampliar direitos de exclusividade sobre a propriedade intelectual e correlatos. Após a extinção do parágrafo único do artigo 40 da Lei da Propriedade Industrial, a ABIFINA direciona sua atenção para tentativas de se instituir no Brasil a proteção de dados de testes – conhecida como data protection – na área de medicamentos de uso humano. Esta é a nova fronteira para a extensão dos direitos de exclusividade sobre o conhecimento e a indústria nacional da saúde precisa estar vigilante.

A ABIFINA, que já tinha o assunto na sua agenda institucional, reforça o acompanhamento do tema, promovendo eventos e participando de debates envolvendo o setor produtivo, sociedade civil e governo. O Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento (SIPID), promovido pela entidade, dedicou-se este ano ao assunto, com palestrantes nacionais e um convidado internacional. A FACTO 67 traz a cobertura completa para quem não conseguiu assistir às apresentações ou para quem deseja registrar todos os detalhes dessa intrincada discussão.

A visão geral é de que o data protection significa a extensão além dos 20 anos de vigência das patentes. Com alguns agravantes. A concessão de uma patente depende do atendimento de requisitos técnicos e legais avaliados criteriosamente, e obriga que a empresa revele o conteúdo do pedido após um tempo determinado, de forma que o conhecimento possa ser compartilhado com a sociedade – esta é a contrapartida da exclusividade de mercado dada pela patente. Já a proteção de dados de teste não requer nada disso. Em outras palavras, se instituído, o data protection tornará esses dados verdadeiras caixas-pretas. Apenas mais uma ferramenta anticoncorrencial, uma barreira de mercado que em nada contribuirá para o avanço tecnológico nacional.

Um estudo da UFRJ apresentado no SIPID mostra as desvantagens disso em qualquer cenário, com aumento dos preços dos medicamentos e dos gastos do Sistema Único de Saúde (SUS), além de retardar a entrada de genéricos no mercado e prejudicar as inovações. A indústria farmacêutica brasileira cresceu no passado recente graças aos genéricos, o que permitiu um avanço no campo da inovação incremental e, em alguns casos, gerando receitas para empreendimentos disruptivos. Este último caso ainda é incipiente, mas queremos que o futuro seja de um setor produtivo pujante, capaz de levar novidades para o mundo. Temos um enorme diferencial, que é a biodiversidade brasileira, uma fonte de descoberta de novos ativos pouquíssimo explorada.   

Soma-se ao data protection uma nova estratégia jurídica para tentar promover a extensão dos prazos de patentes, que são disputas judiciais que tentam burlar a legislação, especialmente valendo-se da falta de especialização da maioria dos tribunais em propriedade intelectual. A juíza Marcia Maria Nunes de Barros, da 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro, alerta ainda para o forum shopping, ou seja, quando o demandante escolhe a jurisdição mais favorável aos seus interesses para dar entrada na ação. Devido a essas e outras práticas, a ABIFINA conta com o Grupo de Apoio Jurídico – que acompanha ações judiciais sobre o tema que sejam de interesse dos associados – e o Comitê de Propriedade Intelectual – que monitora temas no cenário nacional e internacional que possam impactar as empresas brasileiras. Foi a consistente atuação na área que ajudou a entidade a conseguir a extinção do parágrafo único do artigo 40 da Lei da Propriedade Industrial.

A presente edição da revista também provoca, em sua matéria política, a reflexão sobre um tema que vem ganhando força, especialmente neste momento de recuperação da crise da covid-19: as boas práticas ESG (environmental, social, governance). São iniciativas de sustentabilidade que ganham foco ainda maior de investidores, portanto trazem recursos financeiros para as empresas, além dos conhecidos retornos de imagem e de economia a partir da adoção de inovações tecnológicas.

Nessa instigante reportagem, FACTO discute de que forma o Brasil vai lidar com a nova realidade. Ouvimos opiniões divergentes. Há quem acredite que as empresas que assimilarem com consistência as práticas ESG conquistarão vantagem competitiva, crescimento e até um perfil mais inovador ao se abrirem para novas ideias e soluções. Há quem entenda o ESG mais como uma questão inescapável, uma condição imprescindível para as empresas se manterem no mercado. A matéria também estuda como o Estado pode impulsionar a área e foram apontados como exemplos o incentivo fiscal, qualificação profissional, estímulo às empresas de base tecnológica, apoio a pesquisa, desenvolvimento e inovação, e instituição de compras governamentais que considerem esses critérios como preferenciais. Todos esses mecanismos já existem e podem ser direcionados para a sustentabilidade.

A indústria de química fina tem vários casos de adesão aos princípios ESG, tanto que a ABIFINA elaborou o primeiro relatório de sustentabilidade no setor, disponível no site da entidade. Vemos ações em todas as frentes prioritárias indicadas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e por especialistas: redução de emissões de gases do efeito estufa, economia circular, gestão responsável de resíduos sólidos, tratamento de efluentes, reuso de água, redução do consumo de energia, uso de fontes renováveis e preservação florestal. A própria ABIFINA tem histórico de engajamento, participando das conferências da ONU Eco-92 e Rio+20 e da construção da Lei da Biodiversidade; orientando associados a usá-la para fazer pesquisas com respeito ao meio ambiente e às comunidades tradicionais; integrando o Fórum da Geração Ecológica do Senado, com a finalidade de elaborar um Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável; e estimulando a produção de IFAs vegetais com foco na preservação e valorização dos recursos naturais brasileiros.

Os setores econômicos que liderarem toda essa discussão e assumirem de fato iniciativas de longo prazo terão maior peso político, pois esse é o imperativo futuro. O economista Paulo Nogueira Batista Jr., ex-diretor-executivo no Fundo Monetário Internacional (FMI), defende tal visão – com a qual concordamos – na entrevista que faz parte desta edição. Ele trata ainda de outros assuntos vitais para a indústria nacional e que consistem no caminho verdadeiro para tirar o Brasil da crise, como reverter a desindustrialização, qualificar nossa pauta de exportações com maior peso dos produtos industriais e a articulação do Brasil com outras nações para conduzir processos de mudanças globais. Sim, o especialista vê potencial no País para assumir um papel de liderança. Como, inclusive, já teve no passado recente nas questões climáticas, mas perdido com políticas que claramente ignoram e até desvalorizam o tema.

Outro assunto que tem sido foco de atenção da ABIFINA é a pirataria em produtos de química fina. Tanto realizamos pleitos junto às autoridades competentes para fiscalizarem as práticas ilegais, como atuamos no Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP) para o planejamento de iniciativas. Além disso, apostamos na educação. Após lançar a “Cartilha para o consumo seguro de produtos naturais”, a ABIFINA produziu a “Cartilha de combate à pirataria de insumos agropecuários – defensivos agrícolas e produtos veterinários”. O que acontece neste segmento é objeto do artigo do engenheiro agrônomo Fernando Henrique Marini, consultor na área de segurança do agronegócio, que também aponta os problemas com produtos veterinários.

Já a recente decisão unilateral do Brasil de reduzir em 10% as alíquotas da Tarifa Externa Comum (TEC) é mais uma pauta tratada pela ABIFINA e abordada no artigo do consultor Zich Moyses Junior. Ele defende que a resolução seja revista com base na análise de risco para cada cadeia produtiva. Apesar de demonizada pelos neoliberais, a proteção tarifária existe até em nações desenvolvidas, consistindo em uma importante ferramenta de políticas públicas e não em um recurso ultrapassado. Devemos pensar estrategicamente nos setores que queremos desenvolver.

Esta FACTO aborda assuntos atuais, mas que se arrastam há anos pela falta de visão de longo prazo. Maior sustentabilidade, desenvolvimento da indústria, avanço tecnológico, combate à pirataria ou proteção tarifária, tudo depende de uma visão clara do Brasil que queremos e de uma política de Estado para chegarmos lá, conduzida por governos comprometidos verdadeiramente com o País. Acima de partidos e de diferentes visões de mundo, está a necessidade de preservar com afinco os propósitos nacionais por anos e até décadas, de forma que possamos ver enfim resultados consistentes de políticas públicas.

Antonio Carlos Bezerra
Antonio Carlos Bezerra
Presidente-executivo da ABIFINA
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