REVISTA FACTO
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Mai-Ago 2020 • ANO XIV • ISSN 2623-1177
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DIFICULDADES OFERECEM OPORTUNIDADE DE REPENSAR SETOR FARMOQUÍMICO BRASILEIRO
//Especial COVID-19

DIFICULDADES OFERECEM OPORTUNIDADE DE REPENSAR SETOR FARMOQUÍMICO BRASILEIRO

Desde o início da pandemia causada pelo novo coronavírus, o setor farmoquímico brasileiro foi submetido a significativas tensões: dificuldades logísticas para transporte de insumos por conta da paralisação dos meios de transporte, em especial o aéreo, incerteza quanto à disponibilidade de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) e aumento de custos. Após vários meses de restrições causadas pelo vírus, o cenário parece ter se agravado. 

De acordo com o CEO da Globe Química, Antonio Carlos Teixeira, as dificuldades com o transporte por aviões permanecem. “Acredito que somente com o retorno, ainda que parcial, do fluxo de voos comerciais de passageiros é que esta situação melhorará. Uma parcela representativa do transporte de carga é feita em aeronaves de passageiros e a supressão destes voos impactou na disponibilidade de espaço e, consequentemente, nos preços”. Marcus Soalheiro, presidente da Nortec Química, ratifica que a logística continua a ser um problema: “A redução dos voos gerou uma situação paradoxal. Às vezes nossa encomenda parte da Ásia e fica parada mais de uma semana em um aeroporto da Europa à espera de um voo para cá. Ao todo, leva praticamente o mesmo tempo que se viesse por via marítima. Em casos de mercadorias não perecíveis, estamos optando por navios, mais baratos”, revela. 

No entanto, Antonio Carlos Teixeira ressalta outro aspecto ainda mais preocupante, o da aquisição de produtos. “Estamos percebendo uma redução no nível dos estoques dos nossos fornecedores. Não encontramos a mesma disponibilidade de antes, em parte por um eventual aumento do consumo, mas também por uma provável ruptura da cadeia produtiva”. Segundo ele, os fornecedores operam de forma remota, em home office, e os prazos médios de resposta aumentaram bastante. “Vivemos um período de incertezas e insegurança por conta da falta de informação”.

O cenário poderia ser bem diferente se houvesse uma política que levasse em conta necessidades e potencialidades do setor farmoquímico. “Nas últimas duas décadas, muitos fabricantes de IFAs sintéticos fecharam as portas no Brasil. A conclusão é simples – não vale a pena produzir esses ingredientes aqui”, afirma o diretor da Specialità Fine Chemicals, Nelson Ferreira Claro Junior. “Os motivos são vários: é mais barato comprar de outros mercados, principalmente do asiático; do ponto de vista regulatório, há poucos estímulos para o medicamento fabricado com IFA nacional; a Lei 8.666/93 não prevê nenhum estímulo à aquisição de medicamentos produzidos com IFAs nacionais; a atual política tributária não incentiva o consumo de IFAs elaborados no Brasil; e existe o receio de adquirir esses insumos de uma farmacêutica verticalizada, de quem eventualmente o laboratório comprador é competidor no mercado de medicamentos”.

Nos últimos anos, o setor farmoquímico brasileiro já vinha enfrentando um desmonte, com fábricas fechando, redução de suas capacidades e terceirização de etapas de produção para fábricas estrangeiras, em especial da China e da Índia. Um dos riscos dessa situação é a sociedade brasileira ficar exposta às dificuldades de aquisição de IFAs. “Este ponto é muito importante”, observa Antonio Carlos Teixeira. “Tanto que o plano de governo proposto pelo atual candidato e antigo vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, inclui um plano de reindustrialização em solo norte-americano para a produção de itens essenciais, entre eles, os IFAs”.

Mas é preciso planejamento, segundo o CEO da Globe Química. “A fabricação de insumos farmacêuticos ativos não é uma atividade plug and play. A construção de uma unidade fabril requer tempo, capital financeiro, recursos humanos e uma avaliação criteriosa dos processos envolvidos. Por isso, a reindustrialização necessita de uma política de Estado”, salienta.

Nelson Junior concorda. Para ele, no caso dos IFAs, não é possível estruturar uma planta química em poucos meses. “Vejamos o caso dos respiradores mecânicos. Pouco depois de evidenciada a falta de disponibilidade desses equipamentos no mercado mundial, empresas brasileiras se organizaram para desenvolver e fornecer soluções locais, seja por meio de manutenção dos danificados, seja por projetos próprios. Se nosso País contasse com uma estrutura de indústria de química fina instalada e um setor de química básica robusto, a resposta do Brasil frente a uma eventual escassez de princípios ativos poderia ser tão rápida quanto a dos respiradores mecânicos”.   

“Devemos entender que estamos em um momento crucial das nossas escolhas. É imperativo que tragamos para o Brasil o controle de seu destino. Fortalecer a indústria de insumos é assegurar o abastecimento de medicamentos para esta geração e para as futuras”, afirma Teixeira.

Para o presidente da Nortec Química, Marcus Soalheiro, o novo coronavírus acelerou um processo de reflexão sobre a necessidade de fabricar domesticamente medicamentos considerados essenciais: “O início de uma nova ‘guerra fria’ entre Estados Unidos e China pode levar muitos governos, entre eles o brasileiro, a temer o risco de ficar sem remédios caso a situação se radicalize”. Ele lembra que a ABIFINA participa ativamente desse processo e defende a fabricação nacional de IFAs estratégicos. “Foi criado um grupo de trabalho no Ministério da Ciência e Tecnologia para debater essa questão”, ressalta.   

As condições brasileiras acenam com boas perspectivas, garante o diretor da Specialità Fine Chemicals. “Temos ótimas universidades, que formam o capital humano de que necessitamos para ganhar musculatura e escala nos nossos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento e em nossas plantas produtivas. Nosso arcabouço regulatório é equivalente ao das agências dos Estados Unidos e da Europa. Nossos produtos são de qualidade comparável ao desses países”, destaca. “No entanto, ainda somos poucos e nosso portfólio ainda não supre todas as necessidades da indústria de medicamentos. O grande desafio é construir um caminho que leve em consideração todas essas questões e elaborar uma política de Estado para a indústria farmoquímica nacional”, pondera Nelson Junior.

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