REVISTA FACTO
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Jan-Fev 2019 • ANO XIII • ISSN 2623-1177
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//Artigo

PATENTES NA UNIVERSIDADE BRASILEIRA: ESTAMOS NO CAMINHO CERTO?

Anualmente é publicado um ranking com as 100 universidades mais inovadoras do mundo2. A lista identifica as instituições que fazem o máximo para promover a ciência, inventar novas tecnologias e impulsionar novos mercados e indústrias. Os três primeiros lugares são ocupados por instituições americanas: Universidade Stanford, Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e Universidade Harvard. A América do Norte tem 48 universidades ranqueadas, a Europa 27, a Ásia 23 e o Oriente Médio, duas. Não há, entre as top 100, nenhuma universidade da América do Sul, Oceania ou África.

Não foram divulgadas as colocações abaixo das top 100, de modo que não sabemos qual a colocação das universidades mais inovadoras do Brasil. Mas a metodologia da pesquisa3 deixa clara a importância que se dá às patentes. Dos dez quesitos avaliados para classificar as universidades de acordo com sua capacidade de inovação, sete estão ligados diretamente às patentes.

Leva-se em conta, por exemplo, o volume de patentes registradas (ou depositadas) por cada instituição; a quantidade de registros aceitos; e a porcentagem de patentes cuja cobertura foi solicitada nos escritórios de patentes dos EUA, Europa e Japão.

A apresentação de uma patente internacional é um processo dispendioso e a apresentação em vários países ou regiões é uma indicação de que a invenção é considerada não trivial e de que tem valor comercial. Este quesito interessa para entender por que não há universidades brasileiras entre as 100 mais inovadoras.

Vejamos outro levantamento. A National Academy of Inventors (NAI, na sigla em inglês) compila um ranking das universidades que depositaram mais pedidos de registro de patente no Escritório de Patentes e Marcas dos EUA (USPTO, em inglês).

No levantamento de 20174, a Universidade da Califórnia liderou a lista com 482 pedidos. Em segundo lugar, veio o MIT (278), seguido por Harvard (179). Entre as 50 universidades que lideram a lista, 24 são americanas e dez são chinesas.

“A apresentação em vários países é uma indicação de que a invenção é considerada não trivial e tem valor comercial”

Caso os pesquisadores brasileiros e suas universidades tivessem o hábito de depositar seus pedidos de registro de patentes nos Estados Unidos (cada pedido custa U$ 3005) ao mesmo tempo que o fazem no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), a posição do Brasil no ranking do USPTO seria surpreendente.

Em 2017, a Universidade Estadual de Campinas depositou 77 pedidos de patente no INPI. Caso constasse do ranking do USPTO, a Unicamp ocuparia a 24ª posição, à frente, por exemplo, da consagrada universidade Oxford, no Reino Unido, que registrou 75 pedidos no USPTO no período.

A universidade vice-campeã brasileira em registros de patente em 2017 foi a Universidade Federal de Campina Grande, com 70 pedidos, seguida pela Federal de Minas Gerais (69) e pela Federal da Paraíba (66). Caso participassem do ranking da USPTO, ocupariam as posições 27, 28 e 30, ao lado da Universidade de Beijing (67).

A Universidade de São Paulo foi, em 2017, a quinta colocada no ranking nacional. Seus 53 pedidos a colocariam na 36ª posição no ranking USPTO, ao lado do Instituto de Tecnologia da Geórgia e à frente da Universidade Yale.

Os números falam por si. As universidades brasileiras produzem inovação e depositam patentes em quantidade que rivaliza com as melhores do mundo. Entretanto, entre as patentes registradas por nossas universidades, poucas se transformam em produtos e serviços.

Não deveria ser assim. Tomo como exemplo o meu caso pessoal. Em nosso laboratório na Universidade de São Paulo, desenvolvemos parcerias com a indústria farmacêutica. Em 2004, criamos uma nova formulação para o fármaco cloridrato de ondansetrona, usado para náuseas e vômitos. O que fizemos foi colocar o fármaco numa formulação que facilitou sua ingestão. O paciente não necessita de água para tomar o comprimido, que passou a dissolver na boca.

O projeto foi financiado pela Biolab Sanus Farmacêutica Ltda. Em 2004, depositamos a patente da nova formulação, cuja titularidade pertence à USP e à Biolab. O medicamento passou a ser comercializado em 2006 com a marca Vonau Flash®.

Até o primeiro trimestre de 2018, a referida patente já rendeu cerca de R$ 9,2 milhões à USP – sendo R$ 1,4 milhão em 2017, segundo a Agência USP de Inovação. A USP tem a titularidade de 1.299 patentes em vigência. Surpreende saber que os royalties de R$ 1,4 milhão do Vonau Flash® correspondem a mais da metade (57,8%) de tudo o que a USP arrecadou com royalties em 2017. As outras 1.298 patentes renderam cerca de R$ 1 milhão.

“Em 2017, a Universidade Estadual de Campinas depositou 77 pedidos de patente no INPI”

A USP deposita muitas patentes, mas não consegue colocar no mercado produtos derivados delas. Em parte, a culpa é dos inventores. Quando comecei a trabalhar em parceria com a iniciativa privada, fui muito criticado. Meus colegas alegavam que buscar recursos com as empresas reduziria minha liberdade de trabalho. Isto jamais ocorreu. Sempre exerci minha missão de professor e pesquisador com liberdade e os recursos provenientes da iniciativa privada contribuíram muito para isso.

A iniciativa privada tem o seu quinhão de responsabilidade. Muitas empresas querem que o laboratório trabalhe de graça em uma pesquisa. Tais empresas não procuram meu laboratório com o intuito de negociar um projeto de pesquisa e estabelecer uma parceria, mas tão somente obter vantagens a partir do conhecimento gerado pela universidade.

Se nós, brasileiros, quisermos alcançar um patamar mais elevado em nosso desenvolvimento, isso passará pelo estreitamento da relação entre as universidades e as empresas.

As empresas precisam investir em pesquisa em parceria com nossas universidades no Brasil. Por outro lado, as universidades brasileiras precisam se abrir às necessidades das empresas. Sem tirar o foco na pesquisa básica, devem passar a priorizar a pesquisa aplicada, sempre com vistas ao desenvolvimento de tecnologias com aplicação tanto imediata quanto de longo prazo no mercado.

Deste modo, poderemos utilizar adequadamente nossas patentes e beneficiar a sociedade com o conhecimento que temos gerado.

1 DEINFAR: https://www.deinfar.com.br/
2 Reuters Top 100: The World’s Most Innovative Universities 2018 
3 Methodology: Top 100 Innovative Universities 2018
4 Top 100 Worldwide Universities Granted U.S. Utility Patents in 2017
5 USPTO Fee Schedule

Humberto Gomes Ferraz
Humberto Gomes Ferraz
Professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e coordenador do Laboratório de Desenvolvimento e Inovação Farmacotécnica (Deinfar).
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