REVISTA FACTO
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Set-Out 2007 • ANO II • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Bons ventos, até quando?

Apesar da persistência de uma política macroeconômica adversa, a indústria nacional de química fina atravessa 2007 com otimismo e espírito de luta, graças, principalmente, ao crescimento generalizado da demanda. Mas até quando o fôlego e a sobrevivência do setor poderão ser garantidos por fatores externos?

Agroquímicos: mercado em alta

A boa fase do agronegócio brasileiro é, senão o único, certamente o principal motivo de otimismo da indústria nacional de defensivos agrícolas com este ano que vai chegando ao fim. Em relação ao governo, os empresários não poupam críticas: descaso para com o produtor agrícola, excesso de burocracia no registro de produtos agroquímicos e omissão diante da ameaça de desindustrialização do País nesse setor são apenas algumas delas.

O presidente da Milenia Agrociências, Luiz Barone, assinala que o mercado de produtos agroquímicos está crescendo não somente sobre a base de 2006, que seria um referencial prejudicado em função de problemas com safras e preços internacionais, mas sobre a base de 2005, que foi muito boa. Este ano, informa o empresário, o mercado agroquímico brasileiro deve romper a barreira dos
US$ 5 bilhões, mais que duplicando seu tamanho em relação a cinco anos atrás.

“O principal vetor desta retomada é a forte recuperação dos preços das commodities agrícolas – soja, milho, trigo, algodão – para um patamar que, acredito, será difícil mudar em curto prazo. Portanto, a boa expectativa se mantém não só para o final deste ano como também para o próximo”, estima Barone. Isto é resultado, segundo ele, principalmente da expansão da área de plantio de milho para etanol nos Estados Unidos, que provocou uma invasão de cerca de 5 milhões de hectares em áreas onde se plantava soja. Como os EUA não têm mais terra disponível para expansão, ao fazer esse tipo de troca eles reduzem a oferta de soja. Ao mesmo tempo, a China e a Índia estão aumentando fortemente a demanda por alimentos de melhor qualidade, porque mais pessoas estão consumindo, e este conjunto de fatores fez os preços dispararem.

O empresário afirma que só o Brasil dispõe hoje de frentes de expansão na área agrícola, o que confere ao nosso agronegócio uma importância estratégica mundial. “Se não expandirmos a área de plantio de soja nos próximos cinco anos de forma consistente para fazer frente ao aumento de demanda resultante da redução da produção norte-americana, teremos falta de soja no mundo em menos de três anos, pois somos o único país do mundo com capacidade de expansão de área agricultável. Paralelamente, será preciso expandir também a infra-estrutura de armazenagem e transporte.”

“O problema do Brasil é que o governo é muito lento em responder às oportunidades e ao enorme potencial do agronegócio”, lamenta o empresário. “Temos um potencial enorme de expansão da produção agrícola, mas enfrentamos um gargalo gravíssimo na rede de armazenagem e transporte. O País não tem estradas, não tem portos e não tem silos. Muitas vezes o agricultor é obrigado a vender sua produção na hora errada porque não tem onde armazenar. Estamos emperrados na falta de infra-estrutura.”

Outro problema identificado pelo presidente da Milenia é a política de financiamento à produção. “O governo disponibiliza pouco crédito e não há seguro agrícola. Por melhores que sejam as previsões, estamos vivendo um período de mudanças climáticas em todo o mundo. É impossível prever adversidades e o seguro seria uma forma de estimular o produtor a investir mais”, explica. Em sua opinião, uma política de financiamento responsável também daria maior segurança à indústria de defensivos por diminuir o risco de inadimplência, que é um problema atual de grandes proporções. Só no segmento de defensivos há cerca de US$ 700 milhões ainda não recebidos.

Como se não bastasse esta vulnerabilidade, Barone lembra que a indústria agroquímica brasileira está sofrendo uma pressão enorme de preços, com o contrabando de produtos do Paraguai, que já atinge US$ 300 milhões ao ano, e também com a competição de empresas pequenas que trazem produtos da China. Mas, para alívio do setor, a China já está sofrendo uma nova transformação em função da poluição ambiental, que lá está atingindo níveis alarmantes.

Os chineses vinham batendo a indústria brasileira de agroquímicos principalmente nos custos de produção referentes à gestão ambiental. Pressionadas pelo governo a adotar boas práticas nessa área, as empresas chinesas começam a ter sua competitividade emparelhada à nossa. “Hoje o governo chinês está fechando fábricas de defensivos e indústrias químicas pequenas que fabricavam com qualidade duvidosa”, conta o presidente da Milenia. “Temos que ter respeito pelos chineses, mas a tendência é que eles passem a incomodar menos no segmento de agroquímicos – essencialmente uma indústria intensiva em capital e tecnologia, e não em mão-de-obra, que é a grande vantagem comparativa do mercado chinês.”

O empresário não desconsidera os fatores externos que condicionam o crescimento do agronegócio brasileiro. “O Brasil só não exporta mais pela questão que nós todos conhecemos: o protecionismo norte-americano e europeu. Somos competitivos em algodão, etanol, café, soja, milho, cana-de-açúcar e muitas outras culturas. Por outro lado, é frustrante para o empresário brasileiro ver que, apesar de tanto potencial, o País perde oportunidades e o governo se contenta com um crescimento de 3% a 4%. Poderíamos estar crescendo mais do que a China. Estamos vivendo um tremendo paradoxo: um país com um potencial fantástico, uma agricultura pujante, uma indústria muito forte e preparada, e um governo que não sabe tirar proveito deste cenário altamente promissor.”

Em síntese, o cenário da agricultura brasileira e da indústria de defensivos é extremamente positivo, segundo Barone, não só para este ano como para os próximos, mas resta saber se os problemas de infra-estrutura serão resolvidos. “Porque, se o Brasil expandir em 5 ou 10 milhões de hectares a plantação de soja, milho e algodão, não sei por onde vamos escoar este produto todo. Além disso, precisamos também de uma solução para o câmbio, porque a situação atual maltrata o exportador brasileiro. Não sou a favor de controle de câmbio, mas precisa haver uma política mais favorável ao exportador. Todos os países têm isso, é uma questão de política macroeconômica.”

O diretor da Cheminova, Arnaldo Massariol, se mostra menos otimista do que Barone ao avaliar o cenário atual. “Para este ano a expectativa é muito boa – já houve um aumento de 50% na aquisição de insumos agrícolas em relação a 2006 – mas obviamente este crescimento se dá sobre uma base prejudicada. Além disso, estamos atravessando uma seca fora de época, com chuvas somente no Rio Grande do Sul. Isto pode contrariar as previsões que confirmariam uma boa safra para 2007/2008. Se a seca for muito prolongada, o que esperamos que não aconteça, muita coisa negativa pode acontecer.”

Massariol considera a discussão sobre os genéricos extremamente importante para o setor agroquímico e assinala que a indústria de defensivos, especialmente aquela que gera pesquisa e inovação tecnológica, tem reduzido significativamente nos últimos anos o lançamento de novos produtos e paralelamente há um aumento do número de produtos sem patentes.  “A maioria dos produtos genéricos que tem sido disponibilizados nos mercados mundiais, inclusive no Brasil, são produtos com qualidades boas e semelhantes aqueles que foram produzidos inicialmente pela empresa inovadora. Em muitas situações busca-se um aprimoramento no processo de síntese industrial e consequentemente na qualidade do produto obtido.”

O diretor da Cheminova elogia o Decreto n° 5.981, de 6/12/2006, que flexibiliza o registro de produtos genéricos, afirmando que “foi bom para toda a indústria e para o produtor, que terá um maior número de formulações disponíveis de cada ingrediente ativo”. O que ainda obstrui os avanços nessa área, em sua opinião, é o acúmulo de processos a serem avaliados, além de dificuldades burocráticas impostas por um decreto anterior, de 2002 (Decreto n° 4.074, de 4/1/2002). “Agilidade é fundamental nestes casos, porque as pragas não esperam para atacar e o processo burocrático pode significar a perda de toda uma safra.” O maior objetivo, segundo ele, deve ser cumprir o que determina a lei, ou seja, que 120 dias após a submissão de um pedido de registro seja possível obter o parecer definitivo e, consequentemente, o registro ou alteração de uso de um produto.

Massariol vê riscos de desindustrialização do País no setor agroquímico, a partir de dois fatores: o rumo tomado pelas negociações no Mercosul, que definem a implementação da livre comercialização de bens e serviços em 2008; e a questão dos preços de transferência na política brasileira de comércio exterior. “Existe uma diferença muito significativa entre os preços que nós temos que pagar pelo produto fabricado aqui e pelo produto importado pronto. É muito mais barato importar o produto pronto sem agregar nenhum valor de mercadoria brasileira, nem sequer o rótulo. Esta é uma questão que afeta toda a indústria brasileira, não é só a indústria de defensivos agrícolas, e que implica, efetivamente, um grande risco de desindustrialização”, sentencia.

Algumas evidências desse risco aparecem no comportamento da balança comercial dos agroquímicos. “Muitos produtos que por volta do ano 2000 nós não importávamos, estão sendo importados  hoje. Está ficando mais barato produzir no Uruguai, Paraguai e Argentina, ou em qualquer outra parte do mundo, e trazer tudo pronto para o Brasil.”

Sintetizando, Massariol identifica três fatores que podem impactar negativamente a indústria agroquímica ou até gerar um processo de desendustrialização: o livre-comércio, o preço de transferência e os entraves burocráticos no registro de produtos, inclusive para exportação. “Temos que estar preparados para essa situação, com práticas que favoreçam a produção no País, que é o que gera emprego e riqueza.” Outros fatores não específicos mencionados pelo empresário, que afetam a indústria nacional como um todo e comprometem sua capacidade exportadora, são a pesada carga tributária e o alto custo de investimentos.

“Um país com as características do Brasil correr o risco de ficar dependente de importações para proteger a sua safra é algo que não é factível”. Segundo Massariol, é espantoso que não haja vontade política para resolver esse problema frente ao significado estratégico que tem o agronegócio para a economia brasileira: “desde 1994 os superávits da balança comercial são garantidos pelo setor agrícola. O agronegócio só tem contribuído para a estabilização da economia brasileira. Por isto, precisa urgentemente de uma contrapartida, de um olhar mais atencioso e competente. É por isso que todos nós esperamos”, conclui.

Químicos: exportando demanda

A indústria química é um bom sinalizador do comportamento geral da indústria, na medida em que fornece para diversos segmentos industriais. E o comportamento deste setor em 2007 mostra que, apesar de um desempenho comercial positivo, o risco de desindustrialização é real: o aumento da demanda do mercado brasileiro está favorecendo sobretudo as importações.

Segundo Pedro Wongtschowski, presidente do Grupo Ultra, o primeiro semestre foi bem e a expectativa para o segundo também é boa. Como a indústria química normalmente cresce duas vezes o crescimento do PIB, explica, a expectativa é que cresça este ano entre 8 e 10%. “O Brasil sofria tradicionalmente de uma carência de crédito e agora o crédito apareceu, a custos ainda altos mas bem mais baixos do que no passado, e a prazos relativamente longos”, contextualiza o empresário. Traduzindo em números, isto significa que a indústria automobilística deve crescer em 2007, em comparação com o ano anterior, a taxas superiores a 20%, em função da demanda do mercado interno. O segmento agro, que também cresceu bastante, demanda defensivos agrícolas que alavancam uma série de insumos químicos.

De forma geral, Wongtschowski credita o crescimento deste ano mais ao comportamento do mercado, do crédito e do cenário internacional do que a alguma ação deliberada de governo. Fazendo coro com o empresariado em geral, ele aponta o câmbio e os juros como empecilhos ao crescimento. “O real supervalorizado reduz a receita de exportações e também a das vendas domésticas, pois no nosso setor os preços do mercado doméstico são referenciados a dólar. A taxa de juros continua relativamente alta, aumentando o custo dos investimentos, que por isso continuam retraídos apesar do crescimento da demanda. Isto ocorre em função do câmbio, do custo do capital no Brasil e da carga tributária que incide sobre investimentos. A infra-estrutura do País continua demandando investimentos, e as soluções com as quais o governo acena são de longo prazo e estão demorando a se materializar, o que inibe o crescimento da oferta.”

Estamos assistindo, assim, a um crescimento da demanda, “o que é muito bom mas não tem o poder, por si só, de provocar generalizadamente o aumento da oferta”. Para o presidente do Grupo Ultra, este cenário pode em médio prazo gerar gargalos e aumentar o déficit comercial químico brasileiro, que este ano vai bater o recorde: entre janeiro e julho foi de US$ 6,6 bilhões, contra US$ 4 bilhões no mesmo período de 2006. As importações pularam de US$ 8,8 bilhões para US$12,6 bilhões, enquanto as exportações subiram ligeiramente.

Isto significa que a demanda adicional do mercado interno está sendo em grande parte atendida por importações, observa o empresário. É evidente que a indústria brasileira está perdendo mercado. Cresceram muito, por exemplo, e em dólares, as importações de intermediários para fertilizantes, pelo impacto do crescimento da agricultura em relação ao ano passado. As importações de produtos químicos orgânicos cresceram 36%; as de produtos farmacêuticos, 38%; e as de defensivos agrícolas, 44%.

“A boa notícia é que existe uma demanda adicional, a má notícia é que a indústria brasileira não tem condições de investir para atender a toda esta demanda adicional”, lastima Wongtschowski. Com um cenário macroeconômico mais favorável, se tivéssemos uma taxa de câmbio mais estável e um regime tributário mais amistoso para com os investimentos, ele acredita que certamente o quadro seria outro. “Demanda é uma condição necessária para que o investimento ocorra, mas não suficiente. O cenário é promissor, mas estamos correndo o risco de transferir os resultados deste crescimento para os exportadores de outros países.”

Além da questão do câmbio, para o diretor da Fábrica Carioca de Catalisadores, Pietro Carlos Monaco, os problemas mais preocupantes para a indústria dizem respeito à infra-estrutura de transporte e à disponibilidade de energia, que implicam custos adicionais e eventualmente investimentos onerosos. No mais, a situação da empresa no seu mercado é muito singular e até certo ponto previsível. “O mercado do nosso catalisador está diretamente relacionado ao consumo de gasolina e não é esperado um crescimento significativo da demanda, já que vem ocorrendo substituição por outras fontes, como o gás natural, álcool e, também, pela redução do consumo nos automóveis.”

Por força de acordo de acionistas, a Carioca detém 100% do mercado brasileiro no seu segmento, o que significa 80% de sua produção, e suas exportações se restringem à América do Sul e Cuba. “Novos competidores provavelmente não aparecerão”, afirma Monaco. “Um competidor que poderia surgir é a China, mas as fábricas de catalisadores de craqueamento catalítico, para serem competitivas, exigem uma capacidade mínima de produção, da ordem de 70 mil toneladas/ano. Então, quem instalar uma nova fábrica em qualquer local do mundo, no início vai amargar uma ociosidade enorme e isso tem pesado muito na tomada de decisão.”

Monaco vê com “certo otimismo” a busca de soluções para os problemas da indústria, “já que o governo tem demonstrado estas mesmas preocupações”. Uma iniciativa que ele valoriza é o estímulo que o governo tem dado à inovação tecnológica, através da disponibilização de financiamentos a custos mais baixos e incentivos viabilizados pela Lei da Inovação.

O segmento de intermediários químicos sofre, como os demais, com a carga tributária e a precariedade da infra-estrutura, segundo Isaac Plachta, presidente da IQT.

Para demonstrar o enfraquecimento do setor ele cita um levantamento da Abiquim segundo o qual o desempenho da indústria de intermediários químicos atingiu em 2006, no parâmetro “atividade de fabricação”, o menor valor em sete anos consecutivos: 13,34%. A margem líquida (resultado líquido/receita operacional líquida) do segmento caiu para 3,5%, quase a metade do valor registrado em 2005. Em outro estudo, a entidade verificou também que, desde 1998, a maior parcela do valor adicionado contábil da indústria química foi aquela destinada à remuneração do governo, enquanto a remuneração do empresariado apresentou os menores valores.

Tudo isso porque, segundo Plachta, o governo não equaciona seriamente o déficit público. Mas ainda assim ele se diz otimista: “As recentes projeções do comportamento da economia brasileira são promissoras, a disponibilidade de crédito para o consumidor final aponta para um crescimento do consumo da ordem de 6%, a queda dos juros e a apreciação do real estimularam investimentos que, em 2007, deverão evoluir em 13% e a indústria espera crescer 7%. Assim, o nosso PIB evoluirá em torno de 5% em 2007, abaixo do crescimento da China, México e de outras economias emergentes, mas dentro da média mundial.”

Fármacos e medicamentos: avanços modestos

A indústria nacional de produtos farmoquímicos e farmacêuticos teve motivos, no início deste ano, para renovar seu otimismo, diante da decisão do laboratório oficial Farmanguinhos de utilizar seu poder de compra para melhorar a qualidade dos insumos adquiridos, o que favoreceu a produção doméstica. O setor tem esperança, também, de que o PAC efetive suas promessas na área da saúde e forneça as bases para a recuperação e o fortalecimento de uma cadeia produtiva nacional de medicamentos.

Segundo Nicolau Pires Lages, diretor da Nortec Química, o primeiro semestre deste ano foi melhor que o do ano passado, em termos de vendas para os setores público e privado e também porque algumas ações do governo começaram a dar pequenos resultados. “O governo – mais precisamente a Fundação Oswaldo Cruz – comprou mais da indústria nacional e o mercado para a farmoquímica melhorou, pois as compras dos laboratórios privados também cresceram, afirma. Por outro lado, ele lembra que o aumento das importações mostra que o crescimento da demanda não está sendo capitalizado principalmente para a produção interna.

“O mercado farmacêutico brasileiro é hoje de aproximadamente US$ 10 bilhões, mas estimamos que a indústria nacional de farmoquímica não supre nem 20% dessa demanda. É uma demanda real que poderia ser atendida pelo mercado local.  Em outras palavras, o nosso mercado farmacêutico está gerando emprego na Índia e na China, em vez de gerar emprego aqui. Um mercado de consumo que cresce e não gera desenvolvimento da indústria tem que ser reavaliado, porque está gerando dependência”, lamenta o empresário.

No que tange à legislação de incentivo ao setor, Lages observa que a Lei do Bem já começa a trazer resultados para as empresas tributadas por lucro real. Já quanto aos mecanismos da Lei da Inovação, ele afirma que há razão para otimismo, mas não tanto como a mídia vem alardeando. A leitura de que o problema da produção interna fica resolvido no momento em que o governo passa a incentivar a pesquisa e o desenvolvimento é, na sua opinião, simplória e incorreta, pois as medidas previstas na lei, embora fundamentais, não resolvem o problema da competitividade da produção de imediato.

“O que vai fazer a produção nacional de farmoquímicos crescer é o mercado, que só é conquistado com competitividade. A pesquisa e o desenvolvimento aumentam a competitividade, mas não de imediato. Precisamos também de soluções de curto prazo. Neste sentido, podemos citar três revindicações pelas quais há muito tempo estamos aguardando soluções do governo: isonomia regulatória para todo o mercado; isonomia tributária para as compras governamentais e o uso do poder de compra do governo como mecanismo indutor do desenvolvimento da produção interna”, conclui.

As indústrias que atuam no ramo farmacêutico sofreram alguns reveses este ano, entre eles o de uma concentração no segmento da distribuição. O empresário Dante Alario, diretor da Biolab Sanus, conta que no início do ano dois grandes distribuidores interromperam suas operações, o que assustou o setor na medida em que provocou concentração em empresas maiores e, conseqüentemente, aumentou a vulnerabilidade dos produtores. “No primeiro momento não houve um impacto em custos, mas se em médio prazo essa concentração se acentuar, provavelmente a negociação de preços vai ficar mais difícil”, explica Alario. “Isto é um problema, principalmente para as indústrias que estão investindo como nós em P&D&I (Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação), porque normalmente os primeiros cortes se dão nessa área. O primeiro semestre deixou o setor preocupado. Espero que consigamos chegar a números razoáveis até o final do ano.”

Na parte que toca ao governo, o empresário vê oportunidades mas também barreiras. “As indústrias mais estruturadas já recorreram ao BNDES, tiveram seus planos aprovados e estão de alguma forma se beneficiando e aplicando em PDI. Temos uma nova Lei de Inovação, o que obviamente é um avanço, porque antes não havia nada, mas ainda há vários entraves. Por exemplo, este ano nós desistimos de financiamentos da Finep, mesmo tendo recebido a aprovação de vários projetos submetidos, quando surgiu a exigência contratual de que, se fôssemos sair do Brasil, teríamos que ter a anuência deles nas negociações comerciais. Ora, isto é mercado e deste assunto entende a indústria. É importante lembrar que o dispêndio pesado recai sobre a indústria, que arcará com os custos de pré-clínica e clínica. Para nós é bom ter Finep e CNPq neste processo, mas com esse tipo de exigência a indústria desiste.” Outro exemplo mencionado por Dante Alario de barreira que desestimula o ímpeto inovador da indústria nacional diz respeito a questões mais práticas. “Após dois anos de pesquisas nós desenvolvemos um produto inovador, apoiado pela OMS. Registramos e fomos à CMED pedir preço, mostrando que não há similar no País. Propusemos o tratamento a um terço do custo com outros dois produtos para a mesma doença que apresentam ou menor eficácia ou mais efeitos colaterais, mas a CMED tabelou em menos de 20% do que nós pedimos. Isto não é razoável. O discurso de incentivo à inovação é destruído por uma prática que pune aquele que investe em pesquisa e inviabiliza a colocação do produto no mercado.”

Para o empresário, falta uma articulação, que deveria ser realizada por um órgão governamental forte, para que o discurso de inovação saia do papel e vire realidade. “Eu diria que um bom coordenador seria o BNDES – hoje o órgão que mais conhece a questão da inovação, pois comprou a briga, apostou no setor e vem cobrando participação.” Quanto ao PAC, Dante Alario mostra-se otimista. “É uma proposta que está sendo bem costurada, pois estão chamando pessoas competentes para a discussão e imagino que o resultado será bom. É muito cedo ainda para avaliar, mas há uma expectativa grande no setor.”

O segmento de genéricos parece ser o mais animado de todos com o desempenho do mercado e com a atuação do governo. Segundo Telma Salles, diretora do laboratório especializado em genéricos EMS, esse segmento vem crescendo aceleradamente, tendo apresentado um crescimento de 32,7% no faturamento acumulado e de 22% em unidades comercializadas até julho deste ano, em relação ao mesmo período de 2006. “São números de fato muito promissores.” O EMS acaba de inaugurar uma nova linha industrial, com apoio do Profarma/BNDES.

Telma Salles considera o crescimento do mercado de genéricos uma tendência irreversível, “porque é a saída para a população comprar medicamento barato com a segurança de que ele é intercam-biável com o inovador de marca. Em 2002 a participação do mercado em unidades foi de 5,3%, e hoje é de 15%”.

Mas o entusiasmo com a política de genéricos não é uma unanimidade. A Biolab, que também atua nesse segmento, entende que, embora ele seja importante para o governo, “os laboratórios que investem em inovação não querem viver de genéricos. Quem trabalha com PDI entende que o genérico é um passo atrás, porque é preciso copiar o produto de referência tanto se ele for bom como se for ruim. Mesmo que eu tenha condições de desenvolver um produto melhor, não posso fazer isso, porque se for melhor não é bioequivalente e, portanto, não é mais genérico. No longo prazo é mais importante para a saúde o investimento em inovação, pois é ele que garantirá novos tratamentos, redução de efeitos colaterais e avanço real. O futuro do setor de medicamentos não será construído com uma política de genéricos”.

A diretora do EMS encara o momento atual como “muito positivo, porque onde há debate, há vontade de fazer as coisas acontecerem. O PAC é uma perspectiva que se abre. Precisa obviamente ser revisto em alguns pontos, precisa ser mais focado, mas o ambiente é propício a quem está disposto a trabalhar”.

Na área dos fitoterápicos, a preocupação parece predominar sobre o otimismo. A empresária Poliana Botelho, vice-presidente do Laboratório Simões e diretora de Estudos da Biodiversidade da ABIFINA, afirma que “o segmento de fitoterápicos no Brasil será sempre promissor, afinal estamos falando de plantas medicinais no País que dispõe da maior biodiversidade do mundo. No entanto, há sérios problemas de mercado para a indústria nacional em comparação com a capacidade de investimento das empresas transnacionais”.

Em que pese a esperança depositada no PAC da Saúde, a empresária está convencida de que “sempre haverá a necessidade de um olhar mais específico para os fitoterápicos, porque as empresas nacionais do segmento são de pequeno e médio portes e isto precisa ser levado em conta”. Segundo ela, a Lei da Inovação ainda é uma resposta tímida para este segmento, que exigiria um tratamento diferenciado de forma a viabilizar os altos investimentos que um processo inovador exige, especialmente nos trâmites relacionados ao registro de produtos.

Como não há uma política diferenciada ou incentivos específicos para o investimento na produção tecnológica de medicamentos fitoterápicos, Poliana conta que os cosméticos têm sido uma estratégia de sobrevivência para as pequenas e médias empresas do setor, porque exigem menos investimentos. Ou seja, parece que no estratégico segmento de produtos fitoterápicos, se a indústria nacional não tiver suporte adequado, ficará alijada dos principais mercados e terá que se contentar com a posição secundária de fornecedora de “perfumaria”.

Na área pública, a produção de medicamentos ainda não é um problema equacionado, embora alguns caminhos nessa direção já tenham sido definidos. Segundo Eduardo Costa, diretor de Farmanguinhos, nos últimos dois anos os laboratórios oficiais sofreram com a descentralização das compras do governo federal em pelo menos dois programas importantes – o de Saúde da Família e o de Hipertensão e Diabetes. “Até nos organizarmos para vender e entregar fora de seus estados de origem – uma estrutura que não se monta de uma hora para outra – enfrentamos uma redução nas receitas e certo grau de ociosidade dos equipamentos, e até hoje é preciso esforço para nos adaptar a este novo modelo”, relata Costa.

Por outro lado, em alguns programas que permanecem centralizados, como os de tuberculose e Aids, o diretor de Farmanguinhos vislumbra “a força que puxa a inovação”. Farmanguinhos está lançando vários produtos novos este ano, sendo alguns deles realmente inovadores. “Quando o produto tem sua compra centralizada, os estímulos para inovação e entrada em novos mercados são bem maiores”, esclarece Costa. “É a força do poder de compra do Estado fazendo a inovação acontecer.”

O diretor de Farmanguinhos contabiliza como uma realização importante neste ano o lançamento, por Farmanguinhos, de um programa pioneiro na utilização do seu poder de compra para estimular a produção nacional de farmoquímicos. “Trata-se de um sistema em que nós acompanhamos a qualidade dentro da fábrica, permitindo inclusive nos capacitarmos no registro de genéricos para exportação.” Ele frisa que desenvolver e acompanhar fornecedores é um estímulo chave para impulsionar a cadeia produtiva de medicamentos, e destaca a iniciativa em curso dos ministérios da Saúde, do Planejamento e da Indústria e Comércio de elaborar conjuntamente um instrumento normativo para consagrar esse tipo de prática de forma que outros laboratórios possam se beneficiar deste modelo.

Outra preocupação de Farmanguinhos são as condições de fornecimento de certos intermediários químicos hoje importados, para dar mais estabilidade à cadeia produtiva dos medicamentos essenciais. “Com apoio do BNDES e da Petrobras, estamos empenhados em fazer com que, à nova petroquímica que será instalada no Rio de Janeiro, em Itaboraí, também estejam associadas empresas de transformação, produzindo os intermediários químicos necessários para a produção dos princípios ativos de que necessitamos”, explica Eduardo Costa.

A produção de vacinas, que no Brasil está inteiramente a cargo do setor público através dos laboratórios Bio-Manguinhos e Butantan, por contar com um programa já bem consolidado e consistente não tem enfrentado problemas. Segundo o diretor de Bio-Manguinhos, Akira Homma, não haverá contratempos no cumprimento dos compromissos assumidos com o Ministério da Saúde para 2007. Ele afirma que o laboratório subsiste com suas próprias receitas, sem subsídios orçamentários. Só recebe recursos extras para realizar investimentos mais pesados como a montagem de um novo laboratório para produção de vacinas virais, recentemente inaugurado. Segundo Homma, embora Bio-Manguinhos já exporte vacinas – por exemplo, todo excedente de produção para febre amarela é vendido para as agências das Nações Unidas – cogita, em médio prazo, expandir esse mercado e adotar a exportação como estratégia de crescimento.

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