O estímulo ao desenvolvimento de insumos farmacêuticos ativos vegetais (IFAVs) e produtos da biodiversidade no Brasil depende de mudanças estruturais e políticas públicas de longo prazo, defenderam especialistas durante o webinar sobre o tema realizado pela ABIFINA no último dia 6, quarta-feira. O evento reuniu representantes da indústria e de agências nacionais de financiamento.

A questão é urgente e estratégica para o país, alertaram os participantes. “Com a pandemia, ficou mais evidente a necessidade de produção nacional”, afirmou o presidente-executivo da ABIFINA, Antonio Bezerra, referindo-se à dependência brasileira de IFAs importados.

Soma-se a isso o fato de que, apesar de deter 15 % de todas as espécies de plantas do mundo, o Brasil ainda registra poucos produtos oriundos de sua própria biodiversidade. O superintendente de Inovação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Rodrigo Secioso, chamou atenção para o fato de que 94,8% das patentes relacionadas a biodiversidade brasileira depositadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial pertencem a pesquisadores estrangeiros. 

Enquanto isso, o desenvolvimento e a demanda por produtos oriundos da natureza vêm crescendo no mundo. Como destacou o CSO da recém-fundada startup Nintx, Cristiano Guimarães, pouco mais de 66% das moléculas farmacêuticas aprovadas na agência americana FDA entre 1981 e 2019 eram derivados direta ou indiretamente da natureza.

Financiamento

O desafio é construir um ambiente que estimule a indústria brasileira. Uma das principais dificuldades é o financiamento de projetos de novos fármacos, geralmente custosos e demorados, podendo chegar a 15 anos. Na visão dos participantes, políticas bem estruturadas para investimento público de longo prazo são necessárias, mas não bastam.

Para Rodrigo Secioso, o edital público é só a ponta de um ciclo maior que precisa ser planejado, já que a cadeia produtiva do setor é um arranjo complexo. “A estruturação de uma ação de fomento deve prever o apoio necessário a toda a cadeia do desenvolvimento”, defendeu. Segundo ele, essa cadeia envolve diversas etapas, incluindo identificação de potencial terapêutico, prova de conceito, extração, comprovação de efeito terapêutico, até chegar a comercialização e farmacovigilância.

A importância de se levar em conta todas as etapas produtivas ficou clara durante a recente chamada da Embrapii voltada para o cadastramento de unidades focadas em fármacos e biofármacos.

Segundo o diretor-presidente da estatal brasileira, Jorge Almeida Guimarães, o número de propostas recebidas foi bem abaixo do esperado. “Só tivemos 17 candidaturas para quatro vagas. E metade das propostas era muito frágil”, revelou o dirigente. Guimarães lamentou ainda que, nos sete anos de funcionamento da empresa, foram poucos os projetos realizados entre unidades Embrapii e a indústria farmacêutica nacional.

Na avaliação da pesquisadora e professora da UFRJ, Lia Hasenclever, a indústria brasileira não busca a estatal porque seu modelo de financiamento não abarca todas as etapas necessárias. “A empresa não vai procurar a Embrapii se não tiver previsão de desdobramento para que possa levar o produto ao mercado. As ICTs [credenciadas] não possuem infraestrutura apropriada para a fase seguinte do desenvolvimento, a fase III dos estudos clínicos”, argumentou.

Tanto a Finep como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já estão com esse olhar para o ciclo completo. No caso da agência de financiamento, está em andamento um estudo para a criação de um novo modelo de fomento.

Conforme explicou Rodrigo Secioso, a proposta está estruturada em várias etapas e prevê a participação de uma série de atores. Primeiro, o CNPq entraria com apoio ao estudo de moléculas com potencial terapêutico, como já acontece. Em seguida, a Finep entraria com subvenção econômica para realização de estudos clínicos de fase I e II, que correspondem à fase de maior risco, junto com empresas, que em contrapartida se responsabilizariam pela cadeia de fornecimento e novos ensaios não clínicos, quando necessários. Por fim, em parceria com o BNDES, seriam oferecidos créditos reembolsáveis, para estudos clínicos de fase III e produção inicial do fármaco.

Do lado do BNDES, também está em construção um novo mecanismo de fomento. Segundo o chefe do Departamento do Complexo Industrial e de Serviços de Saúde do banco, João Paulo Pieroni, a proposta é passar a compartilhar o risco da inovação radical com as empresas. O objetivo é complementar as opções já oferecidas pela instituição financeira. “O banco é muito conhecido pelo financiamento reembolsável, que é importante, mas limitado. É adequado para as fases de menor risco, mas impulsiona só as inovações incrementais”, explicou.

Mediando o debate, a consultora da ABIFINA Ana Claudia Oliveira celebrou as iniciativas. “É uma mudança de paradigma. A sociedade precisa mudar, ainda mais agora com a entrada do protocolo de Nagoia”, disse, referindo-se ao acordo internacional que regulamenta o acesso e a repartição de benefícios monetários e não monetários advindos da utilização de recursos genéticos da biodiversidade, do qual o Brasil agora é signatário.

Por outro lado, as empresas precisam buscar novas formas de financiarem projetos de inovação. Para Cristiano Guimarães, da Nintx, uma alternativa é a construção de parcerias globais entre empresas. “Hoje, o P&D é extremamente descentralizado. As grandes farmas estão ativamente procurando projetos em startups, universidades ou outras empresas, pois chegaram à conclusão de que fazer inovação sozinho é pior do que inovação colaborativa”, explicou o CSO. Segundo ele, o modelo de parceria global reduz riscos e custos, e ainda amplia o potencial de mercado. “Se você tem inovação radical, não faz sentido fazer desenvolvimento regulatório apenas para o Brasil. Para ter retorno financeiro, é melhor fazer globalmente. É um modelo viável e que cabe no bolso do empresário brasileiro”, concluiu.

Plataforma

Durante o evento, a diretora de Inovação do Grupo Centroflora e diretora de Biodiversidade da ABIFINA, Cristina Ropke, anunciou, para 2022, o lançamento da plataforma INOVAFITOBRASIL, voltada para conectar investidores e projetos de desenvolvimento de fitoterápicos. A iniciativa vai oferecer também um roteiro de desenvolvimento de medicamentos, já alinhado às exigências regulatórias para registro na ANVISA e em agências internacionais. O projeto foi desenvolvido em parceira com o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e o laboratório Aché.

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